O senhor foi no baile hoje? Gabrielle Heinz - Palhaça Magnólia


O ano de 2022 veio para mim com um desafio: meu novo lugar de trabalho agora era o HRO - Hospital Regional do Oeste, mais precisamente os setores da quimioterapia e oncologia, setores destinados aos adultos e idosos. Depois de trabalhar por dois anos no Hospital da Criança, me deparei com a seguinte situação: trabalhar só com adultos! Foi muito mais difícil do que imaginava.

As crianças quando veem uma palhaça no hospital esperam algo, esperam uma cena, uma brincadeira, esperam que aquela palhaça seja uma palhaça. Já os adultos, talvez por descuido da vida que insiste em nos amadurecer e deixar a ludicidade de lado, eles não esperam muito, os adultos não esperavam muito. No início era chegar no hospital, tentar falar algo e ser interrompido com frases assim: “- Ah que lindo o trabalho de vocês”, “Que lindas vocês”, "Tão bonitinho”.

Veja bem, não é que ter seu trabalho e sua aparência elogiados seja algo ruim, o problema é como isso me afetava, porque me dava a impressão de que aquela pessoa na minha frente não esperava mais nada de mim, nem uma cena, nem um improviso, a minha figura ali, bonita, já bastava, já era o suficiente, mas será mesmo? Será que nenhum adulto dentro de um hospital ao ver uma palhaça espera algo? E por falar em espera, veio dali o primeiro jogo.

Vocês estavam esperando nós?" Essa passou a ser a nossa frase de início toda vez que estávamos diante de uma sala de espera lotada.

Vocês estavam esperando nós?" diziam as duas palhaças que eram normalmente respondidas por um coro: “Sim!”

Mas por que vocês estavam esperando nós?” perguntavam as palhaças desconfiadas.

Pra alegrar a gente”, respondia algum adulto menos envergonhado.

Ufa!!! já achei que era pra me cobrar!! Não foi de ti que eu comprei umas calcinhas e não paguei né?" respondia por fim uma das palhaças aliviadas.

Esse jogo agora tinha dois rumos a seguir, ou a pessoa responde que sim e as palhaças dão um jeito de sair fugidas dali ou a pessoa diz que não. Uma coisa era certa, eu estava descobrindo que dava pra jogar com os adultos, a ludicidade deles morava no cotidiano, em um cotidiano extrapolado, mas cotidiano, em histórias levemente plausíveis. Agora os adultos esperavam, pelo menos um pouco.

Um quarto da oncologia, dois leitos, no quadro do posto de enfermagem constavam ali, dois pacientes. Ao chegar no quarto havia um paciente deitado e a outra cama desarrumada, porém livre.

O senhor tá sozinho? Cadê ele?” perguntou uma das palhaças apontando pra cama vazia.

Foi embora” respondeu o senhor.

Embora? Não vai me dizer que vocês brigaram de novo, foi por causa do baile de ontem?” perguntou uma das palhaças indignada.

E o senhor, entendendo a brincadeira, respondeu rindo “Ah sim ele fica muito chato quando vai pro baile”.

O baile, como não havíamos pensado nisso antes? É claro, tem um baile todas as noites no andar da quimioterapia! Um baile gratuito que vai até altas horas da madrugada com comes e bebes a vontade, só preciso deixar uma coisa clara aqui, essa informação tem como fonte as ideias mirabolantes da Dra Tetê e Dra Magnólia, não quero me responsabilizar aqui sobre qualquer possível baile que ocorra ou não dentro do hospital, quem me passou essa informação foram as duas palhaças. Os adultos não só esperavam, os adultos dançavam.

A história do baile passou a se repetir no hospital dali em diante. Não só a invenção do baile ou a cobrança de calcinhas vendidas a fiado, mas também a troca de receita de ambrosia, o almoço com costelão, a piscina secreta do nono andar, as aulas breves de alemão e italiano toda vez que as doutoras se depararam com descendentes dessas nacionalidades.

Os adultos, principalmente os idosos, entraram no nosso mundo lúdico porque nós trouxemos a ludicidade pro real, para histórias que seriam possíveis de viver fora do hospital, eu achei que os adultos não esperavam nada, mas a verdade é que ele sempre esperam algo das palhaças, às vezes só não sabem o que e nem como pedir. Os adultos, assim como as crianças esperam algo de nós, esses doutores de narizes avermelhados e sapatos grandes.

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