O OBJETO COMO PONTE

 Trabalhar como palhaça no hospital é um grande desafio diário. Para mim é desafiador não saber o que vou encontrar dentro de um quarto quando abro a porta, ou o que vou encontrar quando chego numa sala de recepção.

É sempre imprevisto, mesmo com a experiência de tantos anos atuando neste ambiente, ainda temos muitas surpresas e estas são presentes para as palhaças, são as responsáveis por dar o frescor no jogo, colocar as artistas em risco, provocar novas interações e promover momentos vivos, intensos e divertidos. 

Nessas interações, uma das ferramentas que costumo usar e acredito ser muito importante, é o jogo com o objeto. Seja um objeto de uso pessoal da palhaça, ou um objeto que se entregue para o paciente, eles são pontes que unem as duas figuras numa mesma proposta. 

Quando o objeto é de uso pessoal da palhaça, ele pode revelar algo da sua personalidade, ou da sua especialidade médica, e aí já entrega para o público muitas informações cômicas. 

Exemplo 01 - Objeto de uso pessoal da palhaça

A Dra. Barrica usa um objeto chamado "rói rói" que faz um barulho como se estivesse apertando um parafuso, e ela usa essa ferramenta para apertar os parafusos dos pacientes. 

No caso da foto, ela estava conversando com uma acompanhante, estudante de Neurologia, e Barrica aproveitou para ensinar a nova colega a apertar os parafusos dos dois lados da cabeça, para manter o equilíbrio mental dos pacientes. 


O objeto aqui foi capaz de estabelecer uma conexão com o público, fazendo alusão a sua profissão, Barrica fez um jogo de palavras, usando alguns termos técnicos que o público fez associação. Depois de tanta explicação, fecha a piada com o barulho estridente do objeto, que demonstra o quanto os parafusos da mulher estavam soltos.

Além disso, o objeto revela também a habilidade da palhaça de construir a piada com a tensão criada pela explicação e desfecho, além de revelar o quanto são primitivas e simples as técnicas médicas usadas por ela. 

Exemplo 02 - Objeto para entregar ao público

Neste caso, as Palhaças Barrica e Margarida, estavam interagindo com os pacientes na Radioterapia, e encontraram um homem que aguardava uma paciente, com um menino pequeno no colo, dormindo.

Muito cuidadosamente, as palhaças fizeram silêncio na sala, cochichando com os pacientes, evidenciando a importância de não acordar a criança. Todo mundo sabe o quanto as crianças ficam impacientes em ambientes de sala de espera, então acordá-lo estava fora de cogitação. Mesmo assim, as palhaças usaram um objeto "carrinho de brinquedo" para criar a ponte entre o pai e o menino, deixando com o pai o brinquedo, com o compromisso de explicar para o filho quando este acordasse, quem deixou o brinquedo pra ele. 

Aqui, as palhaças trazem nos bolsos esses minibrinquedos, como carrinhos, aviões e flores, que usam como ponte para interagir com seus pacientes, deixando pequenas lembranças positivas e instigando a brincadeira em adultos e crianças.

No jogo hospitalar, o objeto cumpre muitas funções e auxilia as palhaças em sua jornada. O cuidado importante que se tem que ter é, para que o objeto seja uma ponte que se possa atravessar e não simplesmente uma muleta, em que se possa apoiar.

E você, usa algum objeto na sua interação nos hospitais?


Texto de Michelle Silveira da Silva 

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