"Eu sinto muito"
Você que trabalha no hospital, já deve ter se deparado com situações em que a única coisa que você podia dizer, era:
- Eu sinto muito!
Como palhaças que atuam no hospital, sempre procuramos resignificar as situações, desconstruir, brincar, inverter a ordem, brincar com as regras, propor uma lógica lúdica e cômica.
Vamos nos capacitando para interagir com as situações limites dentro do ambiente hospitalar, aprendemos a contornar e a lidar de forma cômica e sensível com todas as situações que se apresentam, mas as vezes, a gente leva um "soco no estômago" e precisa continuar.
Era uma tarde de segunda feira, as Dras. Barrica e Kirina estavam chegando para a visita, e passaram pela sala de espera da ala cirúrgica do Hospital Regional do Oeste. A sala estava lotada, com pessoas que aguardavam para entrar para a cirurgia, enquanto outras esperavam notícias de seus familiares que estavam no bloco cirúrgico.
As palhaças conversaram e brincaram com o público presente, até que a Dra. Barrica percebeu que tinha uma poltrona que estava com o perna quebrada. As duas palhaças jogam o foco para a poltrona, se olham, olham para o público, e veem ali uma oportunidade de fazer uma cirurgia ao vivo, na frente do público. Foram arrumar a perna quebrada da poltrona. Um trabalho em equipe das duas, resultou na poltrona ajeitada. Mas acharam melhor deixar um bilhete, para não sentarem nela, pois estava se recuperando da cirurgia, colaram uns comprimidos e entre risos, seguiram para o próximo setor.
Quando estavam retornando, quase no final da visita, passaram novamente pela sala de espera, e para a surpresa das duas palhaças, tinha um senhor sentado na poltrona, e ele estava dormindo.
As palhaças se olharam, olharam para o homem e olharam para os demais que estavam na sala. As pessoas presentes que tinham participado do primeiro momento, começaram a rir, e diziam que não puderam impedir. Kirina observou que a anestesia da poltrona tinha contagiado o homem, que dormia.
Nesse momento ele abriu os olhos e as palhaças explicaram pra ele a situação. Ele respondeu: - Eu nem percebi, estou cheio de problemas.
Nessa fala, as palhaças já perceberam que ele tinha problemas e que queria falar, e o que será que viria dali?
Barrica se arrisca: - Se for problema de matemática eu lhe ajudo, mas de física eu sou péssima.
E lá veio a revelação.
- Eu perdi o meu filho ontem vindo de São Paulo, ele está agora num caixão.
Todos sentiram o impacto daquela fala e da situação, e você pode imaginar como ficou a sala por uns segundos. Então a Dra. Barrica olhando nos olhos dele disse: - Eu sinto muito!
Dra. Kirina completou: - Eu também!
E disseram que nesse caso, ele podia ficar sentado na poltrona, mas que não se mexesse muito. E Barrica, olhando para os demais que estavam todos impactados, disse:
- E vocês cuidem dele, se ele cair vocês segurem.
Todos esboçaram um sorriso e concordaram. E a frase adquiriu duplo sentido.
O homem acrescentou: - Não tem problema, se eles não me segurarem e eu cair, eu me levanto, do chão não passo.
As Dras. viram um outro paciente com a perna quebrada do lado, e disseram: - Você a gente não indica para ajudar, é melhor você ficar sentado aí.
Kirina acrescenta: - Não, é só uma perna que tá enfaixada do outro lado não tá, ele pode segurar assim, meio de "ladiado".
E todos riram.
Uma situação bem delicada, com a qual as palhaças lidaram muito bem, com delicadeza, respeito e ainda assim não perderam a oportunidade de aliviar o ambiente depois da fala impactante.
Por isso é tão importante sabermos o que estamos fazendo, termos ferramentas para usar e especialmente uma presença ativa, para lidar com a situação sem perder o " estado e o rebolado".
Texto de Michelle Silveira da Silva
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